Escritos
Canção das mulheres
novembro 20, 2010
Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer
perguntas demais; Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora
batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta; Que o
outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se
ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor; Que o outro
perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso; Que se eu
faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso
poder fazer tolices tantas vezes; Que se estou apenas cansada o outro não pense
logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais; Que
o outro sinta quanto me dói a idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em
lugar de voltar logo à sua vida; Que se estou numa fase ruim o outro seja meu
cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita
paciência com você!''; Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada
diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize; Que quando
levanto de madrugada e ando pela casa, o outro não venha logo atrás de mim
reclamando: “Mas que chateação essa sua mania, volta pra cama!”; Que se eu peço
um segundo drinque no restaurante o outro não comente logo: “Poxa, mais um?; Que
se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro
ainda assim me ache linda e me admire; Que o outro – amigo, namorado, irmão –
não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me
aceite quando não estou podendo ser nada disso; Que, finalmente, o outro
entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a
mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e
gloriosa, assustada e audaciosa. Uma mulher.
- Lya Luft
- Lya Luft
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